sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

DEDICATÓRIAS

seus olhos são escuros
como respostas aguardando
mergulhadas no fundo
onde meus olhos procuram
suas mãos no instante
em que me deflagro:

avanço ao território
do seu alcance futuro
desperto outro chão
que te sustentará, me consumindo
e te consumirá, me sustentando


mas em nossa casa não quero um jardim. Quero terra úmida, sob sombras e frutas frescas. Terra de mato e raízes, que pisaremos descalços, entre plantas e pássaros e gente mais miúda, sorrindo proliferando-se, e sentindo a respiração o bastante.

Depois do espelho

, a travessia do estado de espelho. Depois do batismo da alienação (nosso sacramento moderno desde Hegel), o segundo batismo seria aquele que nos transporta para além da alienação, para a alteridade pura.

(Baudrillard)

As formigas e eu

... frenéticas, no trabalho silencioso da casa. Ocorre ter aceitado cuidar de ser mulher, preparando outra pessoa, por alimentar, é evidente, uma essa veia antiga, como daquelas - que se geraram varizes nas abençoadas pernas de minhas avós.

Não bem assim tão voluntário quanto se pretendia até meu próprio berço. Naturalmente seria, é o que se dizia. Digo eu, consequentemente. Como após o salto tem-se o chão a pisar. Fim de ato (rima coincidente) já escolhido, por um esforço dispendido. Admito, há nisso um bom tanto de determinismo arrependido, que nem me faz rir ou chorar. A remediar, pode ser, uma carência de fé incoercível. Mas é puro leite derramado, que não secou.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Para Lou Salomé...

...e pra você:

Mas eu vou sempre para ti
Com todos os meus passos
Porque quem sou e quem és
se não nos entendemos?

(Rainer Maria Rilke)

...

Se coubesse o encontro no ato, aí me encerraria harmônica. Mens sana in corpore sano, essa coesão tão satisfatória. Se coubesse te tocar além do homem, comum ou não te aguardaria por inteiro. Mas devo perecer antes de te alcançar durante a resposta. Atirar-me por janelas às ruas que todas se figurariam-me estranhas, como um lugar que se arranca de um sonho.

Por mais um dia perco as horas entre uns e outros significantes, como coisa que se valha, ou que se falha, a merecer certa atenção disposta. Enquanto isso devo perecer, e me livrar de um todo acabamento, a despeito de qualquer veredicto apropriado, a despeito dessa identidade em plena decadência. A despeito, sobretudo, a despeito.


Eventualmente
passo a revogar o absoluto em tantas substâncias circunscreventes e determinantes inscrições de um destino. Que haveria eu de contemplar – subindo a construção como se fosse lógico – não transcorresse por me dissipar.

...

Nós fomos longe, eu diria. Porém, digo antes, não há para onde ir – muito além da espera no escuro
por alcançar outra superfície
como se fora sua própria
a pele atrás do espelho.
Tudo se passa bem apropriado, para que haja uma lacuna de si-em busca, lá mesmo onde incidem-se os reflexos, que se concretizam sob um parecer. E lá se esvai meu amor... ejaculando-se do umbigo de sonho, para o umbigo de carne, daí partindo-se, intruso me cabe.
Fomos longe, devo admitir, se longe são as margens da nossa eqüidistância, essa ausência em recíprocas. Longe é não consumar a travessia. Longe é faltar a chegar.
Sigo aguardando um instante que me acometa de beleza. Espero à espreita, no recuo de quem aguarda o corpo de uma sombra; no suspense da presença de um esboço sem contornos. Vivo, no desejo do silêncio de seu abalo.
Enquanto me derreto sobre espectros, que converto em murmúrios a seco, gestante de abortos afônicos e verborragias natimortas. Estou lacrada, como um veneno que rasteja sobre algum tal próprio umbigo, que é um sonho de sangue! Salto na poça, pois sou mais o ventre a que esse umbigo é despido.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Por outras palavras

Tentar encerrar o assunto: quer dizer, publicar o que já faz tempo, de vez. Na minha desmesurada e patética pretensão, penso que tenho aí algo do tipo: Aforismos poéticos ou Poesia aforística. Ou, quando crescesse queria ser Nietzsche. E ter bigodes e nenhum sucesso com as mulheres. Mas se eu fosse homem acho que eu seria um saco. Humor infame de merda. Quero dizer que duvido escrevesse uma linha, embora certas coisas, como disse a um amigo, só dá pra escrever quem tem saco. Que se coce. Infame. Sendo mulher, não tem a mínima graça. Se escolheria ter um? De-formalguma! Só o que invejo dos homens é quando sabem brigar. De resto, sem pau nenhum a gente bem que se vira. E se vira bem melhor às vezes... perdendo para o gosto que se tem no uso deles. O que chamam por aí fa-lo-centrismo. Condição que me faz A falta. Nada de histeria assim tão clássica. Penis normalis é receita errada. O que sinto falho é meu espaço vago: desse buraco que desejo o avesso, ultrapassar-me do orifício morno, que me reduz todo o mais de um corpo, de uma voz, de silêncios e respostas e de espaços. Tantas umidades a se viver além do coito... tantas paixões a se pulsar além dos pares... tanta beleza a ser fruida, que não tenha sexo... e tanto a ser parido que não seja prole... e tanto a ser cuidado que não sejam eles... Eles, os homens, não crescem muito, além do entre as pernas. Eles, eu não os invejo, nem os recuso. Nós, as mulheres, eu não nos renego. É só que esse enredo todo que nos divide e que nos afasta, e que por vezes nos atrai e nos une, ao sexo oposto ou ao mesmo sexo... é que esse assunto de sexo oposto ou mesmo sexo... ah! tem hora na vida que faz a gente desperdiçar tempo e latim demais. E o pior, é que ainda hoje, agora mesmo, jamais deixou de ser necessário.

sábado, 17 de janeiro de 2009

...

No fundo eu quero

é me manter real

No olhar emerso

entre uns e outros


até o mais próximo fim


vou esboçando meu desterro

Na garganta inflamada

por essas ruas e demais direções

janelas se abrem ao espio

que se constata


alterar-se ainda é loucura.


Cada hora vejo mais calma

entrincheirando-se à beira do abismo

Mas não iremos passar

Não iremos passar mais além

Por hora

não viemos passar


[e o delírio se preenche

em toda casa

na casa inteira

na coisa toda


em cada gesto

cabível definitivo


Deparo-me:

...

Por certas negações

devo me passar deviés

Como quem teme do corpo

seu próprio mesmo contorno

Que ainda encontro

ao gastar-me nessas horas turva

na recusa a fora-de-si render-se

– Peço antes mais, bem mais silêncio!


Que silêncio haveria, eu penso?

se enquanto penso, logo insisto

E me assisto no sentido falho

Por onde vago, por certas negações.


Por certas negações

devo me flagrar desfeita

Como quem leve do gosto

dissipado qualquer contorno

Que encontraria ainda

se me coubesse chegar em casa,