domingo, 23 de novembro de 2008

André Breton

"De minha parte, continuarei a habitar minha casa de vidro, de onde se pode ver a todo instante quem vem me visitar, onde tudo que está pendurado no teto ou nas paredes só se sustem como por encanto, onde repouso à noite, sobre um leito de vidro, com lençóis de vidro, onde quem eu sou me aparecerá cedo ou tarde gravado a diamante."

Na pele da nuca

Título, espero que final, para publicação futura de composições já bem passadas e mais que digeridas. Enquanto guardo comigo, a reescrita é compulsiva. Nada disso me cabe mais, porém, de modo que, pronto ou não, às minhas mãos o texto já se recusa. Pede sentidos alheios. Talvez mereçam o silêncio do fundo da gaveta, talvez mereçam ser mal-feitos. De meu próprio julgo, porém, apenas deixam de me interessar à medida que cada vez mais o seu acabamento me escapa. Foram escritos de um gosto que já nem ne lembro: tenho a impressão de que, ao reescrevê-los, busco outras formas que esse material não permitiriam... é como se o texto fosse secando. Sim, a plasticidade de um certo arranjo de palavras tem prazo de validade. Não apenas deixa de fluir comigo, mas me estanca qualquer outra coisa. Que me deixem, que me partam a vocês, então!

Então. Há uma ordem que mudo a cada vez que releio essa coisa. Derradeiramente, inventei que a idéia seja essa mesmo. Na pele da nuca é um processo. De escrita e de amor, ou seja, desse impulso, desse esforço por alcançar uma superfície alheia que te dê sentido ao contorno próprio. O que é sempre precário, já que não-linear, e sempre provisório, já que insustentável. Mas já me excedo com isso... basta que diga, por hora, que há uma proposta de seqüenciamento para esses textos que compõem Na pele da nuca, mas isso não será reproduzido nas próximas postagens. Razão alguma pra isso, a não ser capricho meu, de manter alguma instigação para que, amigos ao menos, leiam-me o papel impresso. Faz diferença. Adianto que seria mais ou menos assim:

Primeira parte - Em queda súbita
Segunda parte - Na pele rígida
Terceira parte - Por entre alter ocos
Quarta parte - O impacto necessário

E agradeço aos dias e noites no apartamento da Rua da Lama, às suas janelas, e a todos que passaram por lá: dentro e fora. Agradeço às conversas com meu amigo Rafael Trindade dos Santos, O Jesus, como não poderia deixar de ser. Conversas que me acompanharam os primeiros esboços, e mais tarde as primeiras finalizações. E conversas que, lá nos esboços, me ofereceram Nadja, de André Breton, o que me descabaçou um tanto... Agradeço aos amores vividos nesse meio tempo, especialmente aqueles e esses tantos de um único companheiro: porque é preciso durar pra que haja encontro e desencontro e encontro de novo. Porque assim é que se ama durante, e amar durante é sempre de uma vida inteira ter o gosto, ainda que instantâneo. O segredo é que beijar sua boca não deixa de ser quente, Getulio, por isso ainda te dedico essas palavras, essas de cada instante, essas de agora sempre, de todo dia outra vez, mais do que aquelas a serem reproduzidas, mais do que aquelas que contem qualquer história. Que não se repita o que eu te dedico, que não seja contado, gravado, retratado ou consumido. Eu te dedico dedicatórias.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Entre avessos,

o inverso é a contrapelo desproporcional. Com versos densos ruidosos calam,
compactuando-se, ecos alheios de pretenso uníssono, e os passos flácidos:
caem bem ao ordinário admirável mundo novo de cada dia, de que não estou servida.
Sirvo ao contrário. Atravesso incabível. Inspiro e expiro, tossindo catarros de trânsito frenético, escarrando suas dádivas, que desembocam na areia, e a tempo.
Há tempos que me desfaço em palavras tais ou quais estas. Não que haja nudez proferível, duvido mesmo. Digo mais: entre avessos é que falo. Estalos de língua, em tecido cru sobre a pele, de nada me despem. Vestem-me o oco das visceras como armadura de combate.