sábado, 20 de dezembro de 2008

Muita areia

pro meu caminhãozinho: esse pretensioso projeto que chamei Na Pele da Nuca. Mas isso não é mais problema meu.

invento um cais:

Gosto de crianças e gatos, de ler e dançar, de silêncio e música alta, comer com apetite e mesas de bar. Gosto de escrever à noite, e enrolar na cama de manhã. Gosto de encontrar amores e de viver com eles, mas também de manter certa distância pra ter o prazer de voltar. Porque sou daquelas pessoas que acabam indo embora. Daquelas que gostam de chegar. De resto, quase sempre é blefe.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Baudrillard, Cool Memories II

Tudo nos empurra para a impaciência. Talvez carreguemos o remorso de uma vida longa demais para nossa espécie, longa demais para o uso que fazemos dela.

Tenho o dia farto

Talvez, diria eu, algo sobre todo esse exasperamento. Desgastam-me as vozes que vêm da janela, as luzes, o trânsito, esse borbulhar de seres em vias de interrupções mútuas. Como essas paredes, que se acumulam em pó e tempo. Mas ainda há o salto. Uma vez mais e por todo um dia: o ponto fraco que aperta passos. Tenho pressa é de sair daqui. Vocês também, ao que me parecem - têm algo a me dizer?

Não quero mais comer areia. Não quero mais que o correr da veia. Entretanto, se me flagro é na coagulação do instantâneo que se forma e me deflagra, a despeito. A despeito sigo, entre outras paredes ensimesmadas. A ti, vejo depois. No silêncio úmido, durante somos quase um. Devo te engolir a seco?

De uma margem a outra, atropelamentos consecutivos, equívocos necessários. Pulso irrevogável até que não se reste. O acontecimento, porém, é que oferece algum sentido a tal pesar. É tempo ainda o que me faz passar, e tempo ainda quando me contenho o inteiro! Por vezes até te contive, assim, e a todos, como a ninguém, contorno. Eu te contive tanto, às vezes, que era sob a vista alheia derretendo-se em meu corpo mesmo... ah... fazia tempo! Estava lá, tardia. Agora é não mais serei; por enquanto, eu te havia, mas juro que não sei.

Não sei, porque me soluçam as vozes, e luzes, e trânsitos, esse borbulhar de coisas que são, além da janela. Soluçam-me como aquelas mesmas paredes, que se acumulam em pó e a tempo. Tudo isso me faz passar, me aperta os passos, tenho pressa ainda, tenho pressa outro dia, de sair daqui! Eu mais é me interpreto, eu represento. Invento umas coisas, outras tantas confirmo. Por vezes só me engasgo, e nem sei o que digo: então, bem posso ser interrompida. Mas quero saber desse aspecto um lapso de tempo: em que me concentro e sou ainda não, de tão cedo, no imediato enquanto sequer eu me experimento.

É quando nada me ocorre que estou de um vivo mais puro, que é puramente vivo o que se passa por mim. Não que vá me tirar de um nada que é coisa nenhuma! Estou saindo do nada que era uma vez. Só pode ser quase nada, de outra coisa a seguir, que pode nem vir a ser. Eu por Isso me ultrapasso. Encontro-me em vias (de um flagrante desconhecimento).
(Queria estar mais clara, simplesmente em rotinas minuciosas, traçada por um cotidiano frugalmente estabelecido em suficiência. Mas como poderia, se há exorbitâncias nos gestos mínimos?! - tanto absurdo de sentidos, tanta nitidez estonteante, tantas plenitudes mutiladas, tantos vazios integrantes, tantos desinteresses revolucionários, tantos espasmos estuporados, e tanta beleza gratuita, insatisfações viciadas e tantas palavras difíceis; nunca mais é partir a cada instante, e parir da boca seca um gosto outro, - tanto há que em-si nada basta. Em tudo havendo, nos atravessa, estrangulando-se, demasiado ar!)

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Que diferença me faz?
quanto sangue corre atrás
em cada pulso que não cometo

sem querer
a superfície estaria
no labirinto do ouvido

É o quanto antes eu me ofereço
no fundo em carne e osso emerso
na expressão desse compasso
que tem-se aos pares de olhos mamilos e membros
uns aos outros contaminados.

Confesso temer a unidade
em forma suficiente e de perene beleza
Por onde, em poucas palavras
eu me engano, eu me repito
sob a omissão em que ainda creio

(embora ausente, à plenitude basta
permanecer como quem se farta)
... enquanto no ocaso
de todo e qualquer dia raso,
me farto de lugar comum
e palavras meias.
Como cortes nas veias,
há reticências demais
em minha alma flácida...

Ofegando-se a espera de que nada vem, o sorriso se abate como um prenúncio. Mas nem por um segundo desses posso atravessar de todo calada. Rangendo na ausência de espelhos bem polidos, entre os dentes, é num sopro que me deixo. Embora não irei me deitar com todo esse barulho - são os pássaros da manhã de ontem que agora piam e me atordoam - como um ultimato a que respondo não mais em mim. Não mais em mim aliviar-se, não mais expiações.

Como haveria de me esquecer entre as casas que se desabam num dilúvio de palavras ocas, preenchendo esse estado por tantas coisas que se me impusessem fatais, pois bem está aí o desperdício exato de tal substância: está aqui, em cada mordida, cada tapa, decomposto em débeis demandas que sequer se fazem vontade.

Então, melhor seria esgotar-se nas causalidades de si como um fato, produto linear de reações que se emaranham até o imediato. Poderia decifrar-me em cacos de sonho, vestir-me de um substrato dissecável. Estaria ao menos a ocupar uma dimensão concretamente estável, seguindo uma trajetória nítida. Em tempo. No espaço.

Talvez alimentasse a disposição da Fé, que jamais me coube. Por outro lado sempre impregnou-me um tanto mais a Dúvida, padecendo do nexo de uma matéria por vazios feita - nada entre nós vivo, como um meio opaco. Então, onde estaríamos aqueles que se evidenciam por integridades caóticas, por essência dissipados? Onde estaríamos aqueles que não se definem tão assepticamente nítidos?

(nem direita nem contrária seria tal orientação?!)

Talvez algum morto deus subepidérmico desvendaria Onde Não Me Sei, lá no ato. Flagro-me, porém, antes no estranhamento da distância entre pontos de um ciclo. E sempre a um outro - a Ti, Eternamente - eu me volto.

domingo, 23 de novembro de 2008

André Breton

"De minha parte, continuarei a habitar minha casa de vidro, de onde se pode ver a todo instante quem vem me visitar, onde tudo que está pendurado no teto ou nas paredes só se sustem como por encanto, onde repouso à noite, sobre um leito de vidro, com lençóis de vidro, onde quem eu sou me aparecerá cedo ou tarde gravado a diamante."

Na pele da nuca

Título, espero que final, para publicação futura de composições já bem passadas e mais que digeridas. Enquanto guardo comigo, a reescrita é compulsiva. Nada disso me cabe mais, porém, de modo que, pronto ou não, às minhas mãos o texto já se recusa. Pede sentidos alheios. Talvez mereçam o silêncio do fundo da gaveta, talvez mereçam ser mal-feitos. De meu próprio julgo, porém, apenas deixam de me interessar à medida que cada vez mais o seu acabamento me escapa. Foram escritos de um gosto que já nem ne lembro: tenho a impressão de que, ao reescrevê-los, busco outras formas que esse material não permitiriam... é como se o texto fosse secando. Sim, a plasticidade de um certo arranjo de palavras tem prazo de validade. Não apenas deixa de fluir comigo, mas me estanca qualquer outra coisa. Que me deixem, que me partam a vocês, então!

Então. Há uma ordem que mudo a cada vez que releio essa coisa. Derradeiramente, inventei que a idéia seja essa mesmo. Na pele da nuca é um processo. De escrita e de amor, ou seja, desse impulso, desse esforço por alcançar uma superfície alheia que te dê sentido ao contorno próprio. O que é sempre precário, já que não-linear, e sempre provisório, já que insustentável. Mas já me excedo com isso... basta que diga, por hora, que há uma proposta de seqüenciamento para esses textos que compõem Na pele da nuca, mas isso não será reproduzido nas próximas postagens. Razão alguma pra isso, a não ser capricho meu, de manter alguma instigação para que, amigos ao menos, leiam-me o papel impresso. Faz diferença. Adianto que seria mais ou menos assim:

Primeira parte - Em queda súbita
Segunda parte - Na pele rígida
Terceira parte - Por entre alter ocos
Quarta parte - O impacto necessário

E agradeço aos dias e noites no apartamento da Rua da Lama, às suas janelas, e a todos que passaram por lá: dentro e fora. Agradeço às conversas com meu amigo Rafael Trindade dos Santos, O Jesus, como não poderia deixar de ser. Conversas que me acompanharam os primeiros esboços, e mais tarde as primeiras finalizações. E conversas que, lá nos esboços, me ofereceram Nadja, de André Breton, o que me descabaçou um tanto... Agradeço aos amores vividos nesse meio tempo, especialmente aqueles e esses tantos de um único companheiro: porque é preciso durar pra que haja encontro e desencontro e encontro de novo. Porque assim é que se ama durante, e amar durante é sempre de uma vida inteira ter o gosto, ainda que instantâneo. O segredo é que beijar sua boca não deixa de ser quente, Getulio, por isso ainda te dedico essas palavras, essas de cada instante, essas de agora sempre, de todo dia outra vez, mais do que aquelas a serem reproduzidas, mais do que aquelas que contem qualquer história. Que não se repita o que eu te dedico, que não seja contado, gravado, retratado ou consumido. Eu te dedico dedicatórias.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Entre avessos,

o inverso é a contrapelo desproporcional. Com versos densos ruidosos calam,
compactuando-se, ecos alheios de pretenso uníssono, e os passos flácidos:
caem bem ao ordinário admirável mundo novo de cada dia, de que não estou servida.
Sirvo ao contrário. Atravesso incabível. Inspiro e expiro, tossindo catarros de trânsito frenético, escarrando suas dádivas, que desembocam na areia, e a tempo.
Há tempos que me desfaço em palavras tais ou quais estas. Não que haja nudez proferível, duvido mesmo. Digo mais: entre avessos é que falo. Estalos de língua, em tecido cru sobre a pele, de nada me despem. Vestem-me o oco das visceras como armadura de combate.